Tempo estimado de leitura: 11 minutos.
Outubro/2015 – A AF-S 58mm f/1.4G é uma curiosa objetiva da Nikon anunciada em 2014 para o formato FX. “Curiosa objetiva” que deve ser a quarta, quinta vez que eu abro um texto assim, mas é natural: tudo é curioso pra mim e uma peça de US$1700, o mesmo que uma DSLR full frame de entrada, é um prato cheio de perguntas. O que ela faz de diferente? Por que custa tão caro? Vale a pena no kit? É o que move o vlog do zack e vocês virem até aqui ler e assistir aos vídeos. Comprei no Mercado Livre e fui testá-la em NY. Vamos ver o que eu descobri? Boa leitura! (english)
Em 385 gramas de 85x70mm, a AF-S 58mm f/1.4G não é um “show stopper” mecânico, e isso é uma coisa boa. Feita inteirinha de plástico, exceto o acabamento de metal no mount, os US$1700 estão na verdade comprando tecnologia para ela ser leve e abrigar o projeto moderno, em policarbonato; no lugar da fragilidade “all metal” vintage que vimos por exemplo na Ai-S 50mm f/1.2 Nikkor. A experiência é a mesma de qualquer outra AF-S G de uma fração do preço e se acostumem: os plásticos vieram pra ficar e o metal, que amassa e risca, está fora de moda.
A 58mm f/1.4G também é grande para o standard da Nikon, com o dobro de volume das AF-S 50mm f/1.8G e f/1.4G, apesar de continuar na filosofia Nikkor na contramão do mercado: simples e fácil de usar no lugar de um produto “ostentação”, pesado e cheio de firúlas. Ela não tem “a pompa” da Canon EF 50mm f/1.2L USM (590g), o peso da Sigma 50mm f/1.4 DG “Art” HSM (815g), nem a encheção da Zeiss 55mm f/1.4 Otus (970g) toda manual. Por isso a 58mm G funciona melhor nas mãos e ergonomia falou mais alto quando montada nas full frame digitais.
A operação é simples com anel de foco manual na frente e um botão AF/MF ao alcance do dedão. É montar na câmera e sair para fotografar com a discrição que poucos equipamentos high end tem. Comparada as concorrentes do mesmo segmento, a 58mm também é a que mais tem “cara” de standard: o design com o “hood” embutido e o grupo óptico profundo dispensa o lens hood, apesar dele vir incluído na caixa. A diferença é que a 58mm é oversized e as outras são portáteis.
Do lado de dentro o sistema de foco automático é o mesmo de todas outras AF-S com motor SWM silencioso e AF relativamente rápido. É suficiente pra trabalhar com pressa na rua, mas não tem o “imediatismo” da Canon. Não está errado: é rápido, preciso, e só tive problemas quando errei o modo de foco na D750 (usei o 3D tracking para fotografar ação). Tudo é silencioso e o suporte ao full time manual é perfeito: o anel manual é o melhor que já usei numa Nikkor e não tem qualquer jogo. Custou US$1700, mas finalmente a Nikon entregou um anel de foco perfeito. Aleluia!
O foco mínimo de 0.58cm é longo para o standard mas funciona para fotografar detalhes. Nada expande do lado de fora e o projeto duplo Gauss move o conjunto inteirinho do lado de dentro. Os filtros na frente são enormes em 72mm, típicos das topo de linha, compatíveis do grande angular ao telephoto. E vão numa rosca de plástico que fica coberta pelo parasol, além de não girarem durante a focagem. Recomendo um filtro de altíssima qualidade já que ele ficará bem longe do elemento frontal. Se o vidro não for tratado, a chance de reflexos é enorme e perderá contraste.
No geral a AF-S 58mm f/1.4G se comporta como a AF-S 85mm f/1.4G, outra topo de linha Nikkor. É bem mais leve do que esperamos no high end mas é um prazer de usar. Se tivesse de argumentar entre Canon e Nikon, que vários de vocês insistem em saber a minha opinião, sem dúvidas o papo do peso puxaria a balança pra Nikon (sem trocadilhos). A gente acaba não dando valor a peças leves, mas é exatamente o “feedback” que um equipamento premium deveria dar: ele não fica entre o fotógrafo e o clique, e a operação é perfeita. É pegar nas mãos para se apaixonar.
Com um projeto óptico de 9 elementos em 6 grupos, num design Duplo Gauss, com duas peças asféricas e tratamento Nano Crystal, a AF-S 58mm f/1.4G mostra a disposição da Nikon em tentar algo novo no saturadíssimo mercado standard high end. A ideia é homenagear a objetiva Noct Nikkor 58mm f/1.2 de 1977, que foi uma prova de conceito Nikon em minimizar aberrações cromáticas de plano sagital, que objetivas de grande abertura mostram em pontos de luz.
Por causa da curvatura das lentes, pontos luz refletem ao redor do quadro gerando um fantasma em forma de “pássaro com asas abertas”, visível nas bordas especialmente em paisagens noturnas. Usando elementos asféricos de altíssima precisão, é possível corrigí-los e devolver a aparência perfeita do ponto, aumentando o realismo da foto. Enquanto outras objetivas se preocupam com resolução, a 58mm f/1.4G só se preocupa em corrigir “sagittal coma flare”.
E deu certo? Sim, deu. De fato quando você coloca a 58mm f/1.4G ao lado da Canon EF 50mm f/1.2L USM ou Sigma 50mm f/1.4 DG Art HSM, é possível ver o quanto a Nikon está na frente. As fotos noturnas tem de fato “algo diferente” nas bordas com os pontos de luz perfeitos, orgânicos e nítidos. Mas é só isso. Como veremos a seguir, a resolução, o controle de aberrações e até a nitidez na abertura máxima são praticamente idênticos as outras standard de grande abertura da Nikon, e talvez os US$1700 não façam sentido para a maioria que busca performance óptica bruta.
Não, eu não vi tanta diferença assim no papo do “bokeh” suave na 58mm f/1.4G como outros sites insistem em ver. Tem gente que coloca as 50mm lado a lado com a AF-S 58mm f/1.4 e vê um desfoque mais acentuado, mas o motivo é outro: dã, os 58mm são bem mais longos que os 50mm. A 58mm tem um desfoque suave sim e excelente, sem sinal de linhas repetitivas ou contornos fortes. Mas dizer que é “mais acentuado” que outras objetivas é forçar demais a barra.
Também não notei qualquer avanço na AF-S 58mm f/1.4G sobre aberrações cromáticas, o que é ruim. Se você fotografar em abertura máxima sob muita luz, é batata que os contornos ganharão bolhas roxas como a AF 50mm f/1.4D de US$333. Seja no desfoque do primeiro plano roxo e verde no segundo, ou mesmo aberrações laterais em pontos de luz, as bolhas continuarão lá. Pra corrigir isso só a Sigma 50mm f/1.4 Art HSM, que tenta ser uma Zeiss 55mm f/1.4 Otus de baixo custo. Também elas tem 13/12 (!) elementos, respectivamente, e foram feitas para isso. Esta Nikkor, não.
A resolução da AF-S 58mm f/1.4G também é “menos que perfeita” e o MTF chart da Nikon no lançamento não prometia muito. Os arquivos são suaves em abertura máxima e a resolução só é brutal do f/2.8 pra cima. Mas não considero um argumento contra já que não chega a esconder detalhes no sujeito. É melhor que a AF-S 50mm f/1.4G, sem dúvidas, mas nem aquela objetiva eu achava ruim. Quer resolução clínica no f/1.4? Vá de Zeiss Otus ou Sigma Art, simples assim.
E por fim a distorção geométrica da AF-S 58mm f/1.4G é alta, visível do foco infinito ao mínimo. Você vê as paredes ficando curvas e o horizonte nas paisagens também ficará distorcido, pedindo correção via software. Mas assumo que é um pouco brochante considerando o preço. Não dá pra esperar muito do projeto óptico que foi feito para correção específica do “saggital coma flare”. Se você parar pra pensar como os raios estão sendo desviados, não é de se espantar que a projeção geométrica do quadro não seja 100% perfeita. Use o Photoshop e seja feliz.
Uma das coisas mais tristes do mercado hoje é como as pessoas atrelam “qualidade” a preço e justificam qualquer “mil dólares” por fantasias da imaginação. Vindo de um background publicitário que explora a insegurança humana pra vender o que você não precisa com um dinheiro que você não tem, é interessante ver o impacto do preço na emoção das pessoas.
“Alta resolução”, “bokeh suave” e “qualidade de imagem” são ícones da geração internet para justificar a compra do equipamento fotográfico, e não importa quantos reviews eu escreva nem quantas fotos eu mostre, sempre tem alguém que vai encontrar um detalhezinho mínimo nos arquivos pra justificar “a compra”. É cômico para não dizer trágico e já desisti de entendê-los. :-)
A única coisa que alguns sites falam a respeito da AF-S 58mm f/1.4G é como o “bokeh” é o mais suave da Nikon, ignorando qualquer menção ao projeto óptico que controla saggital coma flare e os dois elementos asféricos. Ok, até a Nikon usa este argumento como selling point do projeto, e concordo que o desfoque seja suave, orgânico, bonito. Mas não é nada demais que uma 85mm f/1.4G não faça, ou que projetos antigos de grande abertura já não faziam. A seguir eu mostro exemplos variados de distância e objetivas para vocês concluirem se o bokeh é para vocês ou não.
Desconsiderando mudanças de enquadramento, distância focal e iluminação, como se comporta o bokeh de cada objetiva em foco mínimo? A Nikon é a mais longa no standard high end de grande abertura (.58cm), seguida da Canon f/1.2L (.45cm) e Sigma Art (.40cm). Como todas as distâncias mudam, fica impossível compará-las lado a lado. Simples: são todas boas no full frame. Elas são suaves desde o 85mm até o 35mm, com exemplos extras com a 85mm f/1.2L II e Sony RX1r. O fato é, se você precisa de bokeh, aumente a abertura e a distância focal, não importa o preço.
Com a câmera no tripé e mesma distância de trabalho, a 58mm mais longa evidentemente terá uma profundidade de campo mais curta, portanto desfoque mais acentuado. E acho que é aqui que os outros sites se perdem. Não dá pra comparar 58mm com 50mm e a diferença é grande.
Por fim, mudando a posição das 50mm para enquadrar a cena da mesma forma que a 58mm, conseguimos ter uma ideia de como as objetivas se comportam lado a lado. Então inclui um exemplo da Canon em abertura máxima f/1.2 que as outras duas não fazem, e lembrem que 58mm f/1.4 (ø41.4) é virtualmente o mesmo projeto óptico que os 50mm f/1.2. (ø41.6). Parece até que a Nikon estava mirando na Canon L quando desenhou a 58mm. Sim ou com certeza?
O que me leva a pergunta: A AF-S 58mm f/1.4G vale US$1700? Sinceramente… Vale. Ela faz o que promete e corrige as “asas de pássaro” em pontos-de-luz-nas-bordas-em-abertura-máxima-em-paisagens-noturnas, que nenhuma outra standard se propõe a fazer. Se é o que você fotografa todos os dias, nem pense duas vezes: a Nikon fez uma objetiva só você e pode ser a única peça do seu kit. Ela compete lado a lado com Canon e Sigma no mercado high end, mas com uma proposta totalmente diferente e na minha opinião mais útil que a abertura f/1.2 ou a alta resolução clínica.
Agora se os US$1700 valem mais no bolso da maioria dos fotógrafos do que os pontos-de-luz-nas-bordas-em-abertura-máxima-em-paisagens-noturnas? Sem dúvidas. Esta objetiva não é para quem tem o orçamento apertado e não faz nada por resolução e controle de aberrações. É uma objetiva específica, feita para um nicho pequeno, e admiro a Nikon de tê-la trazido a vida. É como as tilt-shift. É como as macro super longas. É como as telephoto de grandíssima abertura. Elas não são caras considerando o que ela fazem, mas também não são “peças comerciais” do dia a dia. Se você trabalha com paisagens noturnas, é a lente pra você. Se não trabalha com isso, caia fora!