Tempo estimado de leitura: 13 minutos e meio.
Agosto/2017 – A 100m f/2 é a terceira objetiva para o mount Canon EF, apresentada pela marca chinesa Yongnuo, ao final de 2016. Mais conhecida pelas cabeças de flash, disparadores de rádio e iluminadores LED de baixo custo, a fabricante tem se aventurado também no mercado de objetivas para máquina fotográfica, oferecendo uma tímida linha para Canon e Nikon, mas com preços extremamente atraentes; bem-vindos ao kit de todos os tipos de fotógrafos. Assim como conhecemos nas 35mm f/2 e 50mm f/1.8, a Yongnuo se baseia no mesmo design e fórmula óptica das marcas principais, para economizar no desenvolvimento dos produtos, e então produzir peças mais baratas. A vítima agora é a EF 100mm f/2 USM de 1991 ($499), uma curto-telephoto própria para fotografar ação indoor, dada a distância focal longa e a grande abertura; mais longa que a 85mm f/1.8. Ficam os mesmos 8 elementos em 6 grupos do projeto óptico, mas vão embora o motor de foco USM e 2/3 do preço (US$159 na Yongnuo). Será que a 100mm f/2 chinesa vale um lugar no kit, vindo dos reviews negativos das 35/50mm? Vamos descobrir! Boa leitura. (english)
Em 7.6 x 8.3cm de 390g de plásticos, metal e vidros, a primeira coisa que notamos na Yongnuo 100mm f/2 é exatamente o design idêntico à Canon EF 100mm f/2 USM; inclusive com a mesma escola de design da original de 1991, apesar do lançamento no final de 2016. Com um tubo sólido plástico do lado de dentro e operação totalmente interna de foco, a construção da YN100mm F2 na verdade surpreende pela robustez, sem os tubos que se movimentam, balançam e desalinham das outras objetivas da marca; um problema grave nas 35mm f/2 ($99) e 50mm f/1.8 ($67) que operam o foco com duas câmeras independentes (uma dentro, com as lentes, e uma fora, estrutural). Com o desalinhamento era impossível tirar uma foto realmente nítida com aqueles modelos, mas isto não acontece com a 100mm f/2 ($159): sem a economia (pelo menos) estrutural no projeto, esta Yongnuo de baixo custo é virtualmente o mesmo produto da Canon, mas custa 1/3 do preço.
Nas mãos a ergonomia é curiosa porque a “100mm f/2” é a última especificação “compacta”, antes de entrarmos nas distâncias “telephoto” mais longas. O que ela tem de curto ela tem de fácil de usar, bacana para carregar o dia todo com você. A “pegada” é direta e precisa, com os dedos sempre ao alcance do anel de foco manual, mais alto que o restante do tubo externo; o design “em degraus” típico da Canon dos anos 90. Do lado esquerdo uma chave de seleção AF/MF escolhe entre a operação do anel de foco manual ou do motor micro-DC interno, uma vez que o sistema não suporta o “full time manual”; sempre que você quiser usar o anel, você precisa lembrar de engatá-lo ao grupo de foco. O curioso é que o anel está invertido em relação às peças internas, e o movimento é oposto ao da Canon: um giro anti-horário no anel produz um movimento horário do lado de dentro, em direção ao foco mínimo; e um movimento horário do lado de fora produz um movimento anti-horário dentro, para o foco no infinito; confuso de usar. É no mínimo cômico ver a janela de distância mexendo para o lado “errado” do anel, e tem uma curva de aprendizado leve, feita ainda mais importante por causa da operação duvidosa do foco automático.
Do lado de dentro a Yongnuo optou por um micro-motor DC, a maior diferença contra a EF 100mm f/2 “ultrasonic”. Enquanto ele seja razoavelmente rápida para focar em modo SINGLE, como a original, o motor usa engrenagens barulhentas, diferentes do anel USM silencioso da Canon. Mas o maior problema está na compatibilidade com as câmeras EOS, que oferecem diferentes tipos de focagem nas DSLR mais recentes. Por exemplo com a EOS 5DS, full frame de 50MP e baseada na 5D Mark III, o foco pelo viewfinder é no mínimo questionável: problemas de front e back focus são constantes no modelo, errando o foco em praticamente 40% (!) das capturas. Enquanto o próprio manual de instruções da Yongnuo recomende o uso do “AFMicroAdjustment” da Canon, os erros são tão aleatórios (às vezes para trás, às vezes para frente) que não adianta. E durante o modo AI SERVO contínuo, a Yongnuo 100mm f/2 simplesmente não funciona; o motor se “perde” sobre qual direção ir, e não foca de jeito nenhum. Ainda por cima, diversas vezes para focar num objeto à distância, por exemplo do infinito para os 10 metros, a Y100MMF2 simplesmente não dava sinais de vida: eu precisava refocar o conjunto inteiro num ponto muito mais próximo (entre 1-2m), para então recompor e refocar a câmera no ponto distante; nunca tinha visto este comportamento numa objetiva antes. É caótico e ruim de usar, e certamente há algo errado com o AF da YN100.
Mas é durante a função Live View, fora do espelho, que a Yongnuo 100mm f/2 assusta: o foco simplesmente não é compatível com algumas câmeras EOS, e fica um alerta sobre o modelo. Ainda com a 5DS, o foco por contraste simplesmente não funciona na tela LCD: o motor da objetiva vai para frente e para trás, e não encontra o foco; bizarro! Eu tentei usar o Live View para compensar os problemas de front-back focus do viewfinder, mas não consegui na 5DS. Com a EOS 6D, o LV até funciona, mas somente na função “Quick”: como ela levanta e abaixa o espelho, usando na verdade o módulo phase para fazer a medição (o mesmo do viewfinder), a Yongnuo funciona, apesar de voltarmos a precisão questionável. Porém no modo “FlexiZoneAF” da 6D, que usa a medição por contraste, como na 5DS, a Yong 100mm f/2 não trava o foco novamente; bizarro 2! E com uma câmera “sempre Live View” como a mirrorless EOS M, com foco “Hybrid CMOS”, o YN100 absolutamente não funciona. Então no mínimo verifique a sua câmera antes de comprar, porque a usabilidade do foco automático é inconsistente no mount Canon EF; totalmente bizarro.
Com a Canon EOS T7i, porém, outra lógica procede: o foco pelo viewfinder funciona (de novo, com eventual front-back focus), mas o Live View por Dual Pixel, que trabalha por detecção phase, funciona perfeitamente! Aliás, nem é “perfeitamente”: é absolutamente preciso e rápido, como nenhuma das outras câmeras testadas. Você aponta a câmera para o sujeito e aperta o botão para focar, e a objetiva “pula” para o ponto certo, sem “buscar” para frente ou para trás, inclusive sob pouca luz. Então é no mínimo curioso como a Yongnuo 100mm f/2 funciona nas câmeras EOS, problema que eu não percebi nos reviews da 35mm f/2 (testada na EOS M) e 50mm f/1.8 (testada na Sony A7II, via adaptador metabones): o foco não funciona durante o Live View por contraste, nem pelo viewfinder em AI SERVO contínuo; funciona mal pelo viewfinder, com 40% de chance de front-back focus; mas funciona perfeitamente durante o Live View por Dual Pixel, nas DSLR novas.
Enfim na frente a Yongnuo 100mm f/2 copia os filtros de ø58mm da objetiva original da Canon; abundantes no mercado e super acessíveis. Eles vão numa rosca plástica bem a frente do elemento frontal, que por sua vez fica dentro do trilho do para-sol, não incluído na caixa (a Yongnuo recomenda usar o para-sol ET-65III da própria Canon). Atrás o mount de metal é bem feito e gostoso de usar, com baixo coeficiente de fricção, e os contatos eletrônicos são banhados a ouro; uma atenção atípica para com a durabilidade nessa faixa de preço. Enquanto não vemos nenhuma borracha de vedação contra água na baioneta de montagem, pelo menos o primeiro elemento da frente e último elemento traseiro são fixos, com menos chances de entrar poeira. No geral a construção da Yongnuo 100mm f/2 é compatível com o preço de US$160, certamente um “algo a mais” vindo das 35/50mm de US$60-90. Mas a operação é duvidosa, com um anel de foco que gira para o lado errado, e um sistema AF questionável, difícil de recomendar para todos os fotógrafos; funciona somente com algumas câmeras, e pode ser pouco confiável para trabalhar.
Com um projeto óptico de 8 elementos em 6 grupos, nenhuma peça asférica ou de baixa dispersão, e tratados apenas com “multi-coating”, a Yongnuo 100mm f/2 é restritamente um clone da fórmula EF 100mm f/2; parte feliz pela aparência geral das imagens, parte ruim em razão das outras economias no modelo. Pela fórmula óptica, não há nada de errado com a performance da Y100F2: a resolução do centro é boa, mesmo na abertura máxima, justificada pelo arranjo quase-duplo-Gauss das lentes; mas cai nas bordas, devida a distorção esférica do projeto. O contraste é afiadíssimo na maior parte das fotos, exceto quando estamos contra a luz, quando um fortíssimo reflexo destrói a exposição; bizarro até em composições simples, com o céu (?) dentro do quadro. As cores são saturadas e amareladas, realmente uma vantagem da baixa contagem no número de elementos; e, se não fosse o sistema de foco questionável da Yongnuo, não teríamos tantos problemas com aberrações nas imagens. Então uma boa técnica de focagem, a revisão constante nos arquivos e muita paciência são obrigatórios, para extrairmos o melhor da Yongnuo 100mm f/2.
Na abertura máxima e no centro do quadro, a resolução da Yongnuo 100mm f/2 impressiona por tantos detalhes; certamente o projeto com foco interno, com menos riscos de desalinhamentos, se fez útil na terceira objetiva da fabricante. É interessante vermos como mesmo os vidros de baixo-valor rendem boa nitidez e detalhes no projeto de US$159, curioso de pensar o que as fabricantes principais de fato nos entregam nas objetivas mais caras. Quando a foto está focada no lugar certo, é possível ver detalhes em pêlos, texturas, objetos à distância e letras, que mostram apenas uma leve “nuvem” ao redor de linhas de alto contraste, dado o tratamento questionável dos vidros. Nas bordas a performance pode cair bastante na abertura máxima, dada a distorção esférica do projeto, que tem de fato esferas na fórmula. Mas é visível somente em composições planas, como paisagens e sujeitos bidimensionais (painéis e paredes), e não notada nos retratos, quando o sujeito ao centro já estaria em baixa profundidade de campo. No geral é a mesma performance da Canon, e a vantagem das prime: resolução alta, desde que focada no ponto certo.
Fechar o diafragma dramaticamente reduz a “nuvem” dos detalhes da abertura máxima, perfeita para aumentar o contraste em composições com sujeitos gráficos, ou que incluam a luz no quadro. É interessante vermos como em f/4-7.1 a resolução é altíssima no sensor de 50MP da Canon EOS 5DS usada nos testes, própria para trabalhar com impressões gigantes de alta qualidade. Como o projeto da Yongnuo tem poucos elementos, o contraste e as cores são incríveis em cenas de rua para registrar cultura; coisa que não vemos em projetos mais complicados, com mais vidros. Embora não aconteça a planificação total da imagem em aberturas menores, sem a resolução absoluta de ponta-a-ponta do quadro, necessária para fotografar paisagens, é uma performance muito boa da Yongnuo. E como ela repete a abertura de 9 lâminas da Canon EF 100mm f/2, o desfoque é bonito de ver, mesmo com a abertura fechada, suave e sem grandes intromissões dos elementos do segundo plano; útil para trabalhar com a baixa profundidade de campo dos 100mm.
As aberrações cromáticas indicam o flerte com o projeto duplo-Gauss na fórmula: super visível no eixo em desfoque, mas invisível nas laterais. Como não temos qualquer peça asférica para garantir nitidez constante em várias distâncias de foco, os primeiros e segundos planos imediatos em desfoque ganham halos coloridos roxo atrás e verdes a frente, da mesma forma que praticamente toda prime de grande abertura; não importa o preço. É um problema para fotografar elementos cromados e linhas firmes contra a luz, que “explodem” com bolhas roxas e verdes, difíceis de corrigir até nos softwares mais sofisticados. Mas as aberrações cromáticas laterais são praticamente invisíveis na 100mm f/2, um indício do grupo duplo-Gauss dentre os 8 elementos: nem em composições restritamente geométricas nós vemos linhas coloridas nos contornos das bordas, o que é muito bacana para fotografar grafites, painéis gráficos e outras cenas urbanas. É um comportamento esperado do médio-telephoto, e repetido na Yongnuo 100mm f/2.
O flaring, que engloba além dos reflexos internos entre os elementos, toda e qualquer perda de contraste contra a luz, assusta nos 8 elementos tratados apenas com “multi-coating”. Parte do preço alto cobrado pelas fabricantes principais, com destaque ao Nano Crystal Coating da Nikon, e o recente Air Sphere da Canon, o tratamento químico contra reflexos continua o calcanhar de Aquiles das marcas de baixo custo, e a Yongnuo não parece levá-los a sério na 100mm f/2. Absolutamente qualquer elemento mais claro no quadro, como por exemplo um simples céu em composições mundanas, é capaz de eliminar completamente o contraste da cena, explodindo a exposição numa bolha de luz; eu nunca tinha visto este problema na 5DS antes. E como ele não aparece no viewfinder da câmera, antes do click, é praticamente uma loteria saber quando vai acontecer: você compõe a cena, ajusta o foco, faz a foto… Mas na revisão do arquivo tudo está estourado. É outro problema que exige ainda mais atenção ao trabalhar com a YN100F2 low-cost.
Distorção geométricas são praticamente nulas nos 100mm, sem grandes surpresas no médio-telephoto. Quanto mais longa a distância focal, mais fácil projetar as linhas sem distorções, e a Yongnuo não foge a regra. Ela é perfeita para fotografar paisagens com o horizonte, prédios na rua, ou registrar arte em acervos, visto que não há qualquer correção eletrônica necessária para compensar a geometria; sem “esticar” ou apagar os pixels capturados nas bordas. É por isso que eu digo que este projeto é “quase” duplo-Gauss: se fossem apenas dois grupos de meniscos positivos fora e negativos ao centro, ao redor de duas esferas, claramente veríamos uma bolha no meio da foto. Mas como nós temos quatro elementos côncavo-convexos na frente, o plano é praticamente plano; apesar do desfoque levemente arredondado dos elementos subsequentes. É fácil entendermos a performance óptica, quando vemos a fórmula declarada pela fabricante.
”Chocalho II” em f/2 e f/4, 1/200, ISO800.Por fim cores e bokeh são “felizes” no projeto da Yongnuo 100mm f/2, e o maior motivo para recomendá-la, não importa as limitações do foco automático. Este é essencialmente o “último” projeto (quase) duplo-Gauss médio-telephoto da Canon (quer dizer, da Yongnuo…), antes de entramos nos longos 100mm f/2.8 das macro USM e L USM; ou nos 135mm das f/2.8 “softfocus”, ou f/2 L USM; e também a última opção de objetiva “longa” com poucos elementos (são apenas 8). É impressionante ver como o álbum de fotos da YN100F2 é muito mais colorido que o da Sigma 85mm f/1.4 DG Art HSM (14 elementos) recentemente testada, ambos com a mesma câmera EOS 5DS, e nos mesmos dias e lugares, no Japão. O desfoque também é acentuado, graças a distância focal longa, e interessante tanto para isolar o sujeito do segundo plano, quanto para criar efeitos especiais em fotos mundanas. É a última opção antes de entrarmos no telephoto dos 135mm pra cima, e vale a recomendação para todos os kits; de retratistas à fotógrafos de final de semana.
A Yongnuo 100mm f/2 é interessante no mercado low-cost, porque a fabricante mais uma vez tenta clonar uma especificação de objetiva da linha EF, e falha ao entregar um produto incompleto, pouco confiável; diferente do que estamos acostumados na Canon. Se por um lado ela seja muito mais sólida que as 35mm f/2 e 50mm f/1.8 anteriores, graças ao projeto “fechado”, que usa um único tubo para abrigar o foco automático e os demais elementos, por outro a operação do foco automático é muito ruim, tirando o tesão de recomendá-la para todos. Enquanto eu até entenda o apelo de “pelo menos” ela ser AF + AE (outras chinesas sequer tem isso), a performance é tão ruim que existe o risco de perder as fotos, que sairão fora de foco. Portanto apesar do álbum “feliz” e da qualidade esperada pela fórmula óptica (alta resolução no centro, com cores bacanas, dos poucos elementos), recomendo parcimônia na decisão de compra do modelo, que pode sair bem caro se não funcionar na sua câmera. US$160 já não são tão low-cost assim, e a escolha é fácil: uma objetiva para quem não pode de forma alguma comprar o mesmo produto “oficial”, e que requer atenção redobrada na usabilidade (reveja sempre as fotos, depois de tirá-las). Funciona para quem quer se aventurar mas, para os mais fracos, prefira outra objetiva. E boas fotos!